Comercial de cerveja faz chacota com travesti: qual é a graça?


ELDER SANO, DA SECRETARIA NACIONAL LGBT DO PSTU

Cena do comercial da Nova Schin

Os comerciais de cerveja são conhecidos, há muito tempo, por mercantilizar o corpo da mulher, tratar as mulheres como objeto sexual e, literalmente, propagandear a superioridade masculina. Mas a campanha publicitária da Nova Schin para as festas de São João foi além: além da velha mercantilização do corpo feminino, ainda faz chacota com as travestis. Clique aqui para ver

No comercial de 30 segundos, um sujeito (“Marcão, garanhão”), sentado numa roda de amigos, vai em direção a uma linda mulher, “rápido como o Corisco”. Quando ele repara no tamanho do pé, no volume e no gogó, descobre que era uma travesti (“de noite era Maria, mas de dia era João”). Os amigos caem na risada, e o narrador conclui: “armaram para o Marcão”.

Pode parecer engraçado para muitas pessoas, mas para milhares de travestis é uma grande ofensa: o comercial só reforça a opressão, as piadinhas e a violência que elas sofrem 24h por dia (e não só “de noite” como sugere o comercial): o simples fato de a linda mulher ser uma travesti já é motivo para risadas e chacotas ao tal do Marcão.

Como se não bastasse LGBT’s (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) serem motivo de piada todas as semanas em diversos programas humorísticos na televisão de péssimo gosto, como “Zorra Total”, “Pânico” e “Casseta e Planeta”, agora a Schincariol se utiliza da homofobia para vender mais e lucrar mais.

Criminalização da homofobia já!
A criminalização da homofobia, que tramita no Congresso Nacional há mais de 6 anos poderia evitar que esse comercial existisse. O texto original do PLC-122/06 criminalizaria o discurso homofóbico, o que talvez fosse um dos pontos mais importantes do projeto, pois estabeleceria um controle e evitaria que as igrejas continuassem a pregar o ódio e a violência, e impediria que a TV seguisse explicitamente e impunemente propagando piadinhas e homofobia, tal como existe com relação ao racismo.

Entretanto, foi exatamente esse ponto que foi retirado do PLC-122 ano passado por Marta Suplicy (PT), em acordo com o Bispo Marcelo Crivella (PRB) para tentar aprovar o projeto. O projeto não foi aprovado e Marta Suplicy, sob pressão, voltou atrás, diante do repúdio de vários setores do movimento.

Embora não tenhamos uma legislação que nos arme, temos a nossa voz, e nós, do PSTU, nos somamos a diversos setores do movimento LGBT para exigir que a Schincariol retire esse comercial homofóbico do ar, e que utilize o tempo do anúncio para uma retratação pública à comunidade LGBT e à sociedade em geral.

Também exigimos uma posição do Governo Federal e da ministra Maria do Rosário (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República) em relação a esse comercial e a todo o conteúdo homofóbico na televisão.

Exigimos também a criminalização de todo conteúdo homofóbico na televisão e das emissoras que transmitem esse conteúdo, através da aprovação imediata do PLC-122, com o texto original, para que homofobia se torne crime, para que a televisão e as igrejas sejam impedidas de continuar propagandeando o ódio e a violência, e para frear a onda de violência homofóbica que vivemos em nosso país.

Não é censura: é luta por liberdade
Recentemente, outros casos de campanhas publicitárias perpetuavam a opressão causaram polêmica. O primeiro foi um comercial da Caixa, onde Machado de Assis, um dos maiores nomes (se não o maior) da literatura brasileira, é representado por um ator branco, uma verdadeira falsificação histórica, que invisibiliza a história dos negros no país. O segundo foi uma campanha da marca de lingeries Hope, onde Gisele Bündchen “ensina” as mulheres que, para falar algo que o marido não vai gostar, não deve fazê-lo vestida, mas de calcinha e soutien.

Diante da polêmica causada no movimento negro e feminista, o governo federal, sob pressão, acabou por mandar tirar os comerciais do ar. Em especial no caso do comercial da Hope, surgiu em setores da mídia burguesa que a retirada do comercial do ar foi um ato de censura do Governo Federal. Infelizmente, alguns setores da esquerda reproduziram esse argumento.

Os três comerciais em questão ajudam a perpetuar o preconceito, a discriminação e a opressão aos LGBT’s. Tirar do ar programas e comerciais que propagam a ideologia racista, machista e homofóbica, além de ser exigência do movimento de combate às opressões, não é censura: é uma obrigação do governo.

Censura é exatamente o oposto. Podemos tomar como exemplo a campanha do programa nacional de combate às DST’s/AIDS para o carnaval 2012. Diante da constatação de que a AIDS vem crescendo entre jovens gays, o ministério da Saúde desenvolveu uma campanha de educação em saúde voltada a esse público, com uma vinheta retratando uma balada gay. Quatro dias depois do lançamento da campanha no site do Ministério, o governo, na figura do ministro Alexandre Padilha, censurou a campanha, a vinheta foi retirada do site e nunca foi ao ar na televisão. Vale aqui lembrar que a bancada homofóbica no Congresso Nacional é parte da base aliada de Dilma, e o governo mantém o silêncio cúmplice para agradar a esse setor, até mesmo numa situação alarmante de saúde pública.

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